A vocação da Virgindade no Mundo

Não há a menor dúvida: a Virgindade no mundo é uma verdadeira vocação instituída pelo próprio Deus. Foi Ele quem traçou esse caminho e quem nele introduziu um grande número de almas. A primeira pessoa a quem Deus deu essa privilegiada vocação foi a puríssima Virgem Maria, que, saindo do asilo de paz, onde tinha passado a sua adolescência, entrou na sociedade, onde permaneceu até a morte. Foi no meio do mundo que se terminou essa vida tão fecunda para o bem das almas: é com razão que a chamamos Rainha das Virgens!

Nosso Senhor Jesus Cristo consagrou, por assim dizer, esse gênero de vida, dando-nos o seu exemplo e aconselhando uma alma a imitá-lo, diante de uma multidão considerável. Durante a sua vida pública, um moço possesso, a quem Jesus acabara de livrar, lança-se a seus pés e “roga-lhe que o deixe seguir os seus passos”. Jesus, porém, não o aceitou e lhe disse: “Volta para a tua casa, para junto de teus pais, e lhes narra as grandes coisas que o Senhor fez em ti”. “Ele partiu e começou publicar por toda parte os favores que Jesus lhe tinha feito, e todo o povo ficava admirado” [1]. Foi essa vocação que Deus deu à sua fiel serva Catarina de Sena e teve mesmo que lutar com ela, para forçá-la a obedecer: na sua juventude, sentindo em si uma invencível necessidade da solidão, partiu uma manhã em busca de um deserto. Em caminho, Deus arrebatou-a num êxtase e instruía-a sobre a Virgindade: o que faz a Virgem é o amor.  Vosso esposo habita em toda parte, podeis portanto servi-lo, amá-lo e agradá-lo em toda parte[2].

Mais tarde, quando Nosso Senhor a desposou, ordenou-lhe, logo após os místicos esponsais, “que voltasse para junto de seus pais e que se assentasse à mesa da família. Eu quero, acrescentou Jesus, que as tuas virtudes sejam fecundas, não só para a tua alma, mas também para a do próximo. Eu quero que te unas a Mim pelos laços da caridade para com os outros. Tu sabes que minha lei se encerra em dois mandamentos: amor de Deus e amor do próximo. É preciso que eles te sirvam de pés para caminhares, de asas para voares e conduzires as almas… Obedece-me, volta para o meio dos homens, eu te acompanharei e te dirigirei” [3]. Dócil à voz do Divino Esposo, Catarina passou seus dias na sociedade e só Deus sabe quantas almas ela conquistou para o seu amor. Oh! Vós todas que amais o silêncio, a paz, e que, talvez, lançais um olhar de inveja sobre essas benditas solidões, onde muitas de vossas irmãs servem juntas a Jesus no recolhimento e no retiro, não vos entregueis ao desânimo!

Santa Catarina de Sena
Santa Catarina de Sena

A casa do Senhor vos atrai, mas não podeis realizar vossos desejos: talvez vossa delicada saúde não o permita. Talvez um grande dever vos retém ainda no meio da sociedade. Sois talvez o apoio de vossos amados pais e deveis ser o anjo de sua velhice, como eles o foram na vossa infância. Já vo-lo dissemos: “Não vos entristeçais, ficai alegres onde Deus vos colocou. Não é o hábito nem a grade do claustro que faz a sua vocação, de modo que tornando a si estava decidida a voltar para a casa paterna”.

O mundo vos chama com desprezo “solteironas”, mas vos sentireis ufanas quando, na presença do Universo inteiro, o Cristo estender para vós os braços dizendo: “Veni, sponsamea…!” vem, minha esposa!

Se, na solidão dos claustros, esses jardins fechados, o Esposo se apraz em cultivar as suas mais belas flores, há outras, não menos delicadas, que ele abriga com suas Divinas Mãos e deixa crescer sobre o solo ingrato do mundo; os perfumes de pureza e de inocência que delas se exalam deleitam o seu Divino Coração [4].

Vós sois essa flor que desabrocha à beira da estrada, mas o celeste transeunte se regozija quando encontra no seu caminho essa pobre flor isolada, e é com prazer que Ele aspira o seu doce aroma. Marchai corajosamente na estrada da Virgindade, seguindo Maria e uma multidão de almas puras que já gozam no Céu da recompensa prometida às esposas de Jesus Cristo. Lembrai-vos de que tanto no mundo, como no claustro, podeis ser para Jesus uma terna e fiel esposa. Para isto basta que sejais generosa, humilde, prudente, e que confieis no poder infinito de Cristo, vosso Esposo.


Referências:

1.  CHAVEUT, Maria Luiza. A Vocação da Virgindade no Mundo. In: _______. (org.). A Virgem Cristã na Sua Família e no Mundo – Suas Virtudes e Sua Missão nos Tempos Atuais. Rio de Janeiro: Vozes de Petrópolis, 1927, p. 33-37.

Citações:

1.   S. Marc. – V, 18, 19 e 20.

2.   Não podemos resistir ao desejo de transcrever aqui um trecho das páginas 18 e 19 da IV conferência “O celibato e a virgindade”, do Revmo. Padre Monsabré, feita em NotreDame, por ocasião da Quaresma de 1887: – “Nem todas as virgens, essas ternas mães das misérias humanas, estão nos conventos; acham-se nas inúmeras famílias que a desgraça visitou. Vós as encontrastes, senhoras, e para elas olhastes com desdenhosa compaixão. Foi um erro. Nem todas são, como julgais, vítimas desvalidas da natureza ou da fortuna. Há muitas que entreviram as alegrias de uma feliz união e as doçuras da vida religiosa, mas que imolaram suas esperanças e seus desejos para se consagrarem a uma tarefa obscura na qual consomem a existência. Não posso pintá-las melhor do que um grande escritor que viu de perto um desses anjos de dedicação e que dizia: Por amor de Deus renunciaram ao amor das criaturas e mesmo ao serviço de Deus: por caridade privaram-se das alegrias da caridade. Não têm nem a perfeita paz do claustro, nem o cuidado dos pobres, nem o apostolado no mundo, e essas grandes almas souberam se privar de tudo o que é grande e nobre como elas. Concentraram sua vida no desempenho de pequenos deveres: são o arrimo de velhos pais que as atormentam com suas exigências; mães de órfãos, e substituem os pais que foram arrebatados pelo egoísmo ou pela morte. Dão-se inteiramente e só recebem pela metade; mocidade, liberdade, futuro, tudo sacrificam! Oh! Virgens viúvas, religiosas sem véu, esposas sem direitos, mães sem nome, sede benditas”.

3.   Condessa de Flavgny: Vida de Sta. Catarina de Sena.

4.   Vertus eucharistiques.

Nota da Edição do Site: A opinião dos articulistas não reflete necessariamente a posição da Sociedade da Santíssima Virgem Maria.

Maria Sempre!

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