Belém e a Cátedra do Presépio

O Presépio é uma cátedra, e das mais eloquentes. Devemos ir a ele como discípulos que muito desejam aprender. Vejamos pois algumas lições que podemos tirar do grande mistério do Natal.
Tempo Estimado de Leitura: 5 minutos

Belém e a Cátedra do Presépio

O Presépio é uma cátedra, e das mais eloquentes. Devemos ir a ele como discípulos que muito desejam aprender. Vejamos pois algumas lições que podemos tirar do grande mistério do Natal.
Tempo Estimado de Leitura: 5 minutos

O Presépio é uma cátedra, e das mais eloquentes. Devemos ir a ele como discípulos que muito desejam aprender. A vida de Jesus Cristo é o principal livro do cristão, e quem não souber ler devidamente este livro, em seus tocantes e simples exemplos, pouco aproveitará os demais. Vejamos pois algumas lições que podemos tirar do grande mistério do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que melhor possamos viver segundo seus sentimentos.

Por vaidade do governante da ocasião, César Augusto, que, para se vangloriar com o conhecimento de quantos súditos possuía, mandou recensear todos os habitantes do mundo, partem os santíssimos pais de Jesus para Belém, a fim de se submeterem à lei. O imperador, sem se preocupar com as dificuldades que seu edito impunha, sobretudo aos mais pobres e em situação de grandes necessidades – como era o caso da grávida Maria -, abusa deste modo do seu poder. Obedecem José e Maria a uma ordem muito difícil de cumprir, e fazem prontamente e sem murmuração – e com alegria! – o que fora mandado pela autoridade pública. Sofrendo as incomodidades dessa lei irrazoável, suscitada pelo capricho da autoridade temporal, se sacrificam pelo bem comum, a fim de evitar escândalo ou perturbações. Nosso Senhor, assim, já nasce sob o jugo das injustiças dos grandes do mundo. Que lição para tantos que hoje não dobram a cerviz para obedecerem leis não pertinentes à utilidade pública – mas que também não ordenam nada que seja mal em si -, quando a Escritura nos ensina a sermos dóceis, dizendo-nos para andar dois mil passos aos que nos pedem para andar mil, e a dar o manto aos que nos pedem a túnica. (cf. ST, I-II, q. 96, art. 4)

Mas o acaso não existe na ordem divina, e o próprio Deus havia de dispor de todas as coisas para o maior louvor de sua glória. Estando já em Belém, a Sagrada Família é rejeitada pela hospedaria local. “Não havia lugar para eles”, diz o texto sagrado. Será mesmo que não havia lugar para uma mulher grávida, prestes a dar à luz? Mas Deus, permitindo o gesto dos habitantes de Belém, quis nos mostrar de modo mais patente que a fria caridade na ocasião do nascimento de Jesus seria o signo de toda a sua vida – e também da nossa, cristãos. Rejeitado, não rejeitou, sofreu como um manso cordeirinho, sem se impacientar, Senhor que era de todas as suas paixões desde o ventre. Nosso Senhor santificou as rejeições sendo rejeitado Ele próprio. Por isso, para a nossa santificação, basta unirmos o barro das rejeições que sofremos ao ouro dos méritos superabundantíssimos, infinitos, da rejeição suportada pelo “Menino das Dores”, e para isto é preciso apenas um ato de vontade de nossa parte. A graça fará o resto.

Maria e José, santíssimos como eram, ofereceram a falta de hospitalidade dos belenenses imediatamente a Deus, santificando o sofrimento, pois doravante a inutilidade que tem o sofrimento em si mesmo se tornará um tesouro para comprar o Céu, dado que o Filho de Deus veio ao mundo salvar os pecadores por meio do sofrimento. E vão, humildes e submissos, a buscar ao menos o teto de uma gruta, usada como estrebaria para animais. Mas atenção: nada aí é acidental; todo e cada detalhe foi pensado pela mente divina, desde a eternidade, para transtornar a sabedoria dos sábios segundo o mundo e manifestar com mais esplendor a sabedoria de Deus.

Sabemos que o mundo não recompensa a virtude, e se aparenta fazê-lo, o faz geralmente para tirar proveito dela para si. Contudo o que confunde nossos pensamentos é como Deus não quis recompensar com bens terrenos nem mesmo as virtudes de Maria e José, e nem do seu próprio Filho unigênito, na ocasião de seu nascimento na carne: escolheu para esse grande acontecimento o mais rigoroso inverno, e no meio da solidão da meia-noite. O Menino Jesus, Verbo Encarnado, nada tinha que reparar de Si, mas era pelos nossos pecados que expiava desde o berço a dívida dos nossos grandes crimes. E nós? Deus sabe o tamanho da dívida que acumulamos pelos nossos pecados, e não obstante parece que não temos boca senão para murmurar e se impacientar, e um “graças a Deus” nas dificuldades quase não existe em nossos lábios.

O que o Menino Deus possuiu em seu nascimento? Uma manjedoura, um pouco de feno e panos que o envolviam. Nenhuma glória humana, pois Deus não precisa da glória do homem: Ele é a sua própria Glória, dado que é infinitamente feliz em Si e de Si mesmo. Ó meu Jesus, houve ao menos alguma luz a iluminar vosso nascimento, que não a fé da Virgem Maria? E houve algum calor, que não a caridade de São José? “O acúmulo é o princípio de toda injustiça”, vai dizer o padre Hanon. Jesus no presépio deveria nos envergonhar de nunca estarmos satisfeitos com nossos haveres, com uma sede insaciável de necessidades artificiais, infladas pelo nosso amor-próprio, pela nossa necessidade de autoafirmação, de fama, de honra e de prazeres. Ao querer nascer em uma estrebaria, parece Deus ter escolhido de todos os lugares o mais desprezível para nos mostrar que todo o luxo e o fausto sem uma vida perfeita vale menos que o esterco que forrava a gruta de Nazaré. Que todos nós, diante das lições da Cátedra do Presépio, nos esforcemos para fazer frutificar em boas obras as verdades que Deus nos quis revelar pelo nascimento de seu Filho. Et verbo caro factum est, et habitávit in nóbis.


Nota:

Créditos da imagem de capa utilizada neste artigo, distribuída sob a licença creative commons:

© José Luiz Bernardes Ribeiro / CC BY-SA 4.0Birth of Jesus – Capella dei Scrovegni – Padua 2016, Recorte (crop) por Paulo E.


Referências:

1.    CROISSET, Pe. J. Año Cristiano, ó Ejercicios Devotos para Todos los Dias del Año. Nueva edicion. Paris: Libreria de Rosa y Bouret , 1864. Tomo XII, p. 542-550.

2.    CRASSET, Pe. Juan. Consideraciones Cristianas para Todos los Dias del Año. México: Libreria de Galvan, 1849. Tomo I, p. 418-424.

3.    ANDRADE, Pe. Alonso de. Meditaciones Diarias de Los Misterios de Nuestra Santa Fe. Madrid: Imprensa de Ancos, 1857. Primeira parte, p. 116.

4.    HAMON, Mons. Meditações para o Uso do Clero e dos Fiéis para Todos os Dias do Ano. Paris, 1881. Dia 25 de dezembro (edição on-line). Disponível em: https://rumoasantidade.com.br/livro-meditacoes-todos-dias-ano-hamon/. Acesso em 12/12/2021.

Nota da Edição do Site: A opinião dos articulistas não reflete necessariamente a posição da Sociedade da Santíssima Virgem Maria.

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