1. Introdução
2. A Processão Intelectiva em Deus
3. A Processão Volitiva em Deus
Relações em Deus
Das Pessoas Divinas
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1. Introdução
Depois de provar a existência de Deus, São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, estuda Deus Uno, em sua substância. A seguir, passa a estudar Deus enquanto Trino em suas pessoas divinas (Suma Teológica, I q 27 – q.43). A existência de três Pessoas, em Deus, foi revelada por Nosso Senhor Jesus Cristo, no Evangelho, que mandou seus Apóstolos irem e batizarem a todos “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28,19).
Além disso, Cristo Jesus nos falou das relações das três Pessoas em Deus uno, dizendo que “o Filho procede do Pai” – ex Deo processit (Jo 8,42) – e que o Espírito Santo, Amor de Deus, é o Espírito enviado pelo Pai e por Ele, pois o Espírito Santo procede do Pai e do filho, pois Jesus disse: “Quando vier o Espírito Paráclito que eu vos enviarei do Pai, o Espírito de verdade que procede do Pai” (Jo 15,26).
Alguns hereges procuraram negar a existência de processões em Deus. Assim, eles argumentavam que toda processão significa movimento para fora, ad extra. Ora, como em Deus não pode haver mudança, esses hereges não aceitavam que houvesse processões em Deus.
Outros negavam que houvesse processões em Deus, afirmando que, entre o procedente e o processor, havia diferenças, o que contrariaria a simplicidade e perfeição divinas.
Para fundamentar, suas afirmações, tais hereges citavam algumas passagens das Escrituras, deixando outras sob silêncio.
Assim, para afirmar que o Filho não era Deus, porque procedia do Pai, citavam eles as palavras de Cristo: “Eu procedo do Pai” (Jo 15,26). “o Pai é maior do que Eu” (Jo 14,28).
E, para explicar sua tese herética, diziam que proceder pode ter dois sentidos:
1º) Proceder pode significar vir de um certo local, como quando se diz: fulano procede do Japão. Ora, a Deus, esse sentido da palavra proceder não pode ser aplicado, porque em Deus não há movimento local.
2º) Proceder pode significar vir de outro, como o efeito vem da causa.
Assim, se diz que o calor procede do fogo, ou que o ovo procede da galinha.
Nesse caso, a causa produz um efeito, imprimindo nele uma certa semelhança, mas jamais tornando o efeito igual à causa.
Se o termo proceder fosse aplicado a Deus com esse significado, então o Filho seria efeito do Pai por proceder d’Ele. Mas o Filho seria menos que o Pai, embora semelhante a Ele. Era o que diziam os Arianos, ao afirmarem que o Verbo era a primeira criatura de Deus, mas não era Deus.
Estas aplicações heréticas contrariavam os textos da Sagrada Escritura que afirmavam: “Tudo o que o Pai tem é meu” (Jo 16,15). “Quem vê a Mim vê o Pai” (Jo 14,9). “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). “Para que estejamos em seu verdadeiro Filho. Este é verdadeiro Deus” (I Jo 5,20).
Para estes hereges, também o Espírito Santo não seria Deus, pois que Ele procede do Pai e do Filho. Mas isto contraria o que São Paulo ensina quando escreve: “Não sabeis que vossos membros são templo do Espírito Santo?” (I Cor 6,19).
Ora, só Deus pode ter templo. Se o Espírito Santo tem templo, Ele é Deus.
Estes hereges, que negavam haver processões em Deus, erraram, porque não entenderam certamente o que significa proceder.
A palavra proceder pode ter os seguintes sentidos:
1º) Vir de… localmente, como quando se diz, Manoel procede de Lisboa.
2º) Ser causado por… como o efeito procede da causa. Ex.: o calor procede do fogo.
3º) Proceder supõe agir, atuar, comportar-se.
É com esse último sentido, que supõe uma ação, que a Escritura usa o termo proceder com relação a Deus.
É nesse último sentido que em Deus há processões.
Toda processão supõe uma ação. Mas não se deve confundir a processão com a própria ação que ela supõe. Assim, a ideia de algo não se confunde com a ação de entender esse algo.
Ora, podemos distinguir, em nós, ações ad extra, ou transeuntes – como quando pintamos um quadro – e ações, ou processões, ad intra, que permanecem em nós, que nos são imanentes, como, quando pensamos, a ideia que entendemos permanece em nós.
Nos seres espirituais, ou nos homens, que são animais racionais compostos de corpo e alma, há duas ações, ou processões, ad intra, ou imanentes:
1- a ação de entender;
2- a ação de querer.
Também em Deus, analogicamente, podemos distinguir dois tipos diversos de processões, com base nas ações de Deus:
1- processões ad extra, ou transeuntes. Ex.: a criação;
2- processões ad intra, ou imanentes, que são também duas, porque se fundam nas duas ações imanentes divinas:
a) a ação do entender divino;
b) a ação do querer divino.
Existindo estas ações ad intra, há também, em Deus, duas processões ad intra:
1- a processão intelectiva, por meio da qual é gerado o Verbo, ou Filho de Deus.
2- a processão volitiva, pela qual Deus se ama, e da qual procede o Espírito Santo.
2. A PROCESSÃO INTELECTIVA EM DEUS
Deus Se conhece.
Nesta afirmação distinguimos: O sujeito Deus. Isto é, Deus enquanto conhecedor; e o objeto, Se, isto é, Deus enquanto conhecido.
Quando conhecemos algo, forma-se em nosso intelecto uma ideia daquilo que conhecemos.
Em Deus, analogicamente, dá-se o mesmo.
Ao se conhecer, Deus concebe uma ideia de Si mesmo.
Se esta ideia que Deus tem de Si mesmo fosse menor do que Deus (Deus > Ideia de Deus), Deus seria ignorante, pois Ele não se conheceria perfeitamente. É um absurdo.
Se a ideia que Deus faz de si mesmo fosse maior do que Ele (Deus < Ideia de Deus), Deus seria orgulhoso, o que é um absurdo também.
Ora, se a ideia que Deus tem de Si mesmo não pode ser nem menor, nem maior do que Ele, essa ideia tem que ser absolutamente igual a Ele (Deus = Ideia de Deus).
Em nós, as ideias estão em nossa inteligência sem se identificar com ela.
Em nós, ainda, quanto mais algo é entendido, mais a ideia compreendida fica unida à nossa inteligência.
Em Deus, o entendimento é sempre absoluto e, então, a ideia entendida fica absolutamente unida à Inteligência divina.
Ora, absoluta união significa identidade. Portanto, em Deus, a ideia que Ele concebe de Si mesmo é a sua própria Inteligência, ou Sabedoria.
Ademais, assim como expressamos nossas ideias por palavras, assim também, analogicamente, a Ideia que Deus tem de Si mesmo pode ser chamada palavra de Deus, pois que a Ideia é palavra interior.
A palavra mais importante, a que dá o sentido e a compreensão de nossas afirmações, é o verbo. Desta forma, ideia, palavra e verbo se correspondem.
Em Deus, Ideia de Deus, Palavra de Deus e Verbo de Deus são a mesma coisa.
Ao Verbo, ou Ideia de Deus, – que é a própria Inteligência divina – se dá ainda o nome de Filho.
Com efeito, ser filho é ser:
a) produto de um ato vital;
b) da mesma natureza que o gerador;
c) e semelhante a Ele.
Ora, a ideia que Deus gera de Si mesmo, eternamente, em seu intelecto divino, supõe um ato vital – o do entender divino – já que só é capaz de entender, um ser que possua vida.
Além disso, a ideia que Deus tem de Si mesmo se identifica com a Inteligência de Deus, e é uma só e mesma coisa que ela. Portanto, a Ideia que Deus tem de Si mesmo, tem a mesma natureza que Deus, pois é sua própria Inteligência.
Finalmente, a Ideia que Deus tem de Si mesmo é mais do que semelhante a Deus, pois é igual a Ele.
Logo, na processão intelectiva de Deus, na geração do Verbo, se realizam as três condições necessárias para haver filiação.
Portanto, a Ideia que Deus concebe de Si mesmo – o Verbo – pode, e deve, ser chamada o Filho de Deus, e o seu gerador é o Pai.
Assim, na processão intelectiva de Deus, devemos distinguir:
Deus conhecedor | <=> | Deus conhecido |
Deus | <=> | Ideia de Deus Inteligência de Deus Sabedoria de Deus Palavra de Deus Verbo de Deus |
Pai | <=> | Filho de Deus |
A geração do Verbo, ou Filho de Deus, é eterna em Deus. Isto significa que Deus não pode ter começado a se conhecer. O conhecimento que Deus tem de Si mesmo é sem crescimento, nem decadência. É sempre o mesmo, perfeito e absoluto.
Como a verdade é a correspondência entre a ideia do sujeito e o objeto conhecido, havendo em Deus um conhecimento perfeito, isto é, uma perfeita correspondência, e até igualdade, entre Deus conhecedor e Deus conhecido, então, a Ideia de Deus é a própria Verdade de Deus.
Também esse conhecimento que Deus tem de Si é a própria vida do intelecto divino.
O Filho de Deus é, pois, a Verdade e a Vida também.
Quando Deus fez todas as coisas, diz a Escritura que Ele dizia uma palavra e a coisa era criada.
“Tu falastes e (todas as criaturas) foram feitas” (Jud 16,17).
“Seja feita a luz. E a luz existiu” (Gen 1,3).
Assim como um engenheiro concebe antes o que vai fazer em seu intelecto, como ideia, assim também, de modo analógico, Deus concebeu toda a criação em Seu intelecto.
Na sabedoria, Deus criou todas as coisas.
“Todas as coisas foram feitas no Verbo, e sem Ele nada foi feito” (Jo 1).
Por isso foi escrito: “No princípio, Deus criou o céu e a terra” (Gen 1,1).
Os judeus discutiram muito sobre o que era esse “no princípio” – Bereshit – no qual Deus criara o céu e a terra. E a gnose rabínica acabou ensinando que o Bereshit (no princípio) era o sujeito do verbo bara (criou).
Para responder a esse erro gnóstico, que distinguia a Divindade de Deus, São João escreveu: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e Deus era o verbo. Isto [o Verbo] estava em princípio junto de Deus” (Jo 1,1-3).
In pricipio erat Verbum et Verbum erat apud deum, Et Deus erat Verbum. Hoc erat in princípio apud Deum“.
Sendo que as três primeiras orações aludem à Trindade, e a quarta faz alusão à unidade de Deus.
“Todas as coisas foram feitas por Ele, e nada do que foi feito, foi feito sem Ele” (Jo 1,3).
Omnia per ipsum facta sunt et sine ipso factum est nihil (Jo 1,3).
Portanto, cada criatura corresponde a uma ideia de Deus.
Quando Deus criou as coisas, criou-as no Verbo, ou na Sabedoria. Ele criou cada coisa como símbolo de uma qualidade existente nEle. Por isso, todas as coisas falam dEle. Daí, São Paulo ensinar aos Romanos:
“As qualidades invisíveis de Deus, depois da criação do mundo tornam-se visíveis nas coisas criadas” (Rom 1,20). E lê-se que “Pela grandeza e formosura da criatura se pode visivelmente chegar ao conhecimento de seu criador” (Sab 13,5).
Ao criar cada ser, Deus teve antes ideia dele e fez cada coisa como reflexo, vestígio, imagem e semelhança de Si mesmo. Assim, ao criar a águia, Deus a fez para representar uma qualidade dEle, e daí é que vem a beleza da águia.
Como Deus é artista perfeito, cada criatura corresponde perfeitamente à ideia que Deus teve dela.
Ideia de águia em Deus | <=> | Águia criada. |
Nessa correspondência entre a águia e a ideia que Deus teve dela é que consiste o verum, a verdade da águia.
Quando contemplamos a águia, nós também formamos, em nosso intelecto, uma ideia dela. Quando a ideia que temos de um ser corresponde, de fato, ao que o ser é, temos, então, a verdade.
A verdade é a correspondência objetiva entre a ideia que temos de um ser e ele mesmo.
Objeto: águia | <=> | Ideia de águia no sujeito |
Se a águia corresponde à ideia que Deus teve dela (verdade da águia em Deus), e nossa ideia corresponde ao que a águia é (verdade objetiva humana), então, quando temos a verdade de um ser em nosso intelecto, nos unimos à verdade em Deus.
Isto porque duas ideias correspondendo ao mesmo objeto, são também correspondentes entre si.
Ideia de Deus | <=> | águia | <=> | ideia de águia no homem. |
Por isso, é a verdade objetiva que nos une à Sabedoria de Deus.
Foi esta Sabedoria de Deus – o Verbo divino, o Filho – que se fez homem, em Jesus Cristo.
“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós.”
Et Verbum caro factum est, et habtavit in nobis (Jo 1,14).
Jesus Cristo é, pois, o Filho de Deus feito homem. NEle há duas naturezas – uma divina e outra humana – mas, uma só pessoa divina: a do Filho, segunda pessoa da Santíssima Trindade.
Este é o mistério da Encarnação. Mistério, porque está acima da inteligência humana compreender como se dá essa união de duas naturezas em uma só pessoa. É o que se denomina união hipostática, isto é, de uma só pessoa com duas naturezas.
Em Jesus Cristo, há uma só pessoa: a do Filho 2.a Pessoa da Santíssima Trindade | 1) Natureza divina: | Inteligência divina |
Vontade divina | ||
2) Natureza humana: | alma: | inteligência |
vontade | ||
sensibilidade | ||
corpo |
Cristo é, ao mesmo tempo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Como Deus, Ele tem Inteligência divina infinita, e vontade divina infinita.
Como homem, Ele se encarnou no seio da Virgem Maria, no tempo. Nasceu, cresceu, viveu etc.
Como homem, Ele tem natureza humana completa, com corpo e alma.
Daí existirem em Cristo duas inteligências e duas vontades, uma humana e outra divina. Tendo inteligência divina, Ele conhecia até o pensamento dos fariseus, como se lê no Evangelho. Tendo inteligência humana, Ele aprendeu a falar, a ler etc. Desse modo, foi a Virgem Maria quem ensinou o Verbo de Deus a falar, enquanto homem. Foi ela quem deu palavra humana à Palavra de Deus.
Quando era menino e foi ao Templo, ao discutir com os doutores, Ele fazia perguntas enquanto homem, e os maravilhava com a sabedoria de suas respostas, pois falava então como Deus.
Em Cristo, há também duas vontades: uma divina e outra humana. Porém ambas queriam sempre a mesma coisa. Havia, portanto, uma só vontade moral em Cristo, pois que, se a vontade humana de Cristo contrariasse a vontade divina, isto seria um pecado, o que era impossível para Ele.
No horto das Oliveiras, a vontade humana de Cristo afirmou sua submissão e união moral à Vontade divina quando disse: “Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este cálice; não se faça, contudo, a minha vontade, mas a tua” (Luc 22,42).
Cristo tinha ainda sensibilidade humana. Por isso, o Evangelho conta que Ele chorou no túmulo de Lázaro, pois perdera seu amigo, que Ele amava com amor humano, sensivelmente. Chorou sobre Jerusalém. Irritou-se com os vendilhões, no Templo, e com os fariseus. Alegrou-se com as criancinhas etc.
Seu corpo era verdadeiro corpo humano. Foi concebido, nasceu, cresceu. Ele tinha fome e teve sede. Cansou-se e sentou-se, por isso, à beira do poço, ao meio dia. Mesmo depois da ressurreição, podia ser tocado em seu corpo, e comeu peixe que os apóstolos haviam assado ao fogo.
Este era Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus, e Deus feito homem, cheio de graça e de verdade.
“E nós vimos a sua glória, glória como de (Filho) unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14).
Ele é Filho unigênito do Pai, porque Deus não pode ter duas ideias de Si mesmo.
É consubstancial ao Pai, porque a ideia que Deus tem de si, identificando-se com a própria Inteligência divina, é uma só coisa com a sua inteligência. Ele é consubstancial ao Pai, pois a Inteligência de Deus integra a própria Substância de Deus.
“Cheio de graça e de verdade”.
Cheio de Verdade, porque sendo o Verbo, Ele é o fundamento de toda verdade. Ele é a Verdade. Por isso, disse:
“Eu sou a Verdade”. Ego sum Veritas.
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Ego sum via, et veritas,et vita (Jo 14,6).
Caminho, porque é o Redentor, o único meio de irmos a Deus.
Caminho, porque é nosso modelo, que sendo por nós imitado, nos leva até Deus.
Caminho, porque é por Ele que nos vem toda a graça, como pelo caminho do caule toda seiva chega aos ramos.
Verdade, porque é a Ideia de Deus, a Sabedoria de Deus.
Verdade, porque todas as coisas foram feitas por Ele, pelo Verbo, em correspondência perfeita com a ideia que Ele teve de todas as coisas, ao criá-las.
Verdade, porque dEle nos veio a plenitude de Revelação e de Verdade de Deus.
Vida, porque Ele é Deus, Vida absoluta e fonte de vida.
Vida, porque a Vida divina consiste em conhecer-Se e amar-Se.
Vida, porque só com a fé na verdade de Cristo podemos ter a vida da graça.
Cristo, Deus-Homem é o caminho que conduz os homens ao conhecimento da Verdade.
Ele mesmo-Verdade que é a luz dos homens e que lhes possibilita ter vida humana perfeita racional, intelectual, e vida divina pela graça.
“No Verbo estava toda a vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,4).
“O Verbo era a luz verdadeira” – luz da verdade- “que ilumina todo homem que vem a este mundo” (Jo 1,9).
3. A PROCESSÃO VOLITIVA
Em Deus, ser infinito de natureza puramente espiritual, só há processões imanentes – ad intra – por motivo das operações que não tendem a coisa extrínseca, mas permanecem no próprio agente.
Em toda natureza espiritual, há duas operações desse tipo: a da inteligência e a da vontade.
Pela ação ou operação do Intelecto divino se dá a processão do Verbo, a modo de geração.
Pela ação da vontade, se dá a processão do Amor, pelo qual o amado está naquele que ama.
Portanto, há também em Deus uma processão volitiva ou do Amor.
Deus Se ama.
Nesta sentença distinguimos:
1) o sujeito: Deus amante;
2) o objeto: Deus amado.
Diferentemente se dá a processão do Verbo da processão do Amor.
Enquanto, a processão do Verbo gera no Intelecto divino uma Ideia de Deus, que é o Verbo, na processão do Amor, não se produz uma geração, pois não se forma na Vontade a imagem da coisa querida. Na processão do Amor, no querer, se dá uma inclinação do amante com relação ao querido.
Na vontade de Deus, enquanto Deus Se ama, se dá um impulso, uma inclinação, um movimento da Vontade divina para o mesmo Deus, enquanto Objeto do amor, enquanto Bem absoluto, absolutamente desejável e amável. Por conseguinte, na processão volitiva divina, devemos distinguir: Deus enquanto amante e Deus enquanto amado.
A Deus, enquanto amante, chamamos Expiração.
A Deus, enquanto amado, chamamos Processão.
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RELAÇÕES EM DEUS
O estudo das processões divinas, para que sejam entendidas mais profundamente, exige conhecimento do que é relação, já que, dos dez predicamentos aristotélicos, só a substância e a relação podem existir, em Deus.
Substância é aquilo que existe em si mesmo.
Id cui competi esse in se, non in alio.
Aquilo a que compete ser em si, não em outro.
Deus é o ser que existe por si mesmo e que é em si mesmo. Logo, o conceito de substância pode ser aplicado a Deus.
Deus é um ser substancial. Mas, enquanto as substâncias criadas, para ser, dependem de Deus, o ser divino não depende de ninguém, nem de nada. Deus é ens a se.
O acidente, pelo contrário, não pode existir em si. O acidente é aquilo que existe noutro ser. Acidente é ens in alio.
Ex.: o branco deste papel não existe em si; ele existe no papel.
O acidente não é necessário ao ser para que ele seja o que ele é, mas apenas acrescenta-lhe, ou tira-lhe, uma perfeição.
Segundo Aristóteles, há dois predicamentos do ser:
1º) – a substância – ens in se
2º – os tipos de acidentes – ens in alio (quantidade, qualidade, relação, ação, paixão, hábito, quando, onde, situação)
Em todo acidente se distinguem:
a) um elemento comum ou genérico, que diferencia os acidentes da substância – e que é a inerência a um sujeito: ser noutro: ens in alio.
b) um elemento específico: que distingue um acidente do outro.
Todo acidente afeta a substância em que se acha mudando-a intrínseca ou extrinsecamente.
A relação predicamental (que ordena coisas entre si) não se forma com relação ao sujeito em que se acha, mas em ordem a um termo a que ela se refere.
Por isso, o conceito de relação não inclui, em si, nem perfeição, nem imperfeição do sujeito e do termo ordenados.
A relação não é algo (aliquid), mas apenas ordenação a outro (ad aliquid).
Ademais, a relação é extrínseca, ou assistente ao sujeito que ordena.
Sendo assim, a relação não põe perfeição ou imperfeição nenhuma nos elementos que ordena. Por exemplo, o fato de a caneta estar em cima da mesa, não põe qualquer perfeição na caneta.
É exatamente por isso que a relação é o único acidente que pode existir analogicamente em Deus, porque não põe nEle nenhuma mudança, nenhuma perfeição ou imperfeição.
A relação pode ser: transcendental ou predicamental.
1- Relação Transcendental é aquela que ordena, entre si, os princípios constitutivos do ser, como ato e potência, essência e existência, substância e acidente.
Neste caso, a relação não se distingue do sujeito, mas se identifica com ele.
2- Relação Predicamental é aquela que ordena, entre si, seres já constituídos.
Ex.: pai e filho, caderno e mesa.
Neste caso, a relação não se identifica com o sujeito, nem coloca nele perfeição ou imperfeição.
As relações podem ser ainda de razão ou reais.
A relação é de razão, quando só existe na mente.
Ex.: relação entre o universal e o individual.
A relação é real, quando tem o motivo de sua realidade num sujeito (esse in).
Na relação real podemos distinguir:
1- um sujeito, atualmente existente.
2- um termo final, atualmente existente e distinto do sujeito.
3- uma causa fundamental da relação, que pode existir:
a) – ou só no sujeito, e então a relação é simples;
b) – ou no sujeito e no termo final, e a relação será mútua. Nas relações mútuas, há sempre uma oposição relativa.
Ex.: Paternidade e filiação entre um pai e filho.
4- A relação em si mesma, distinta de seu fundamento.
Quando a relação é real, há no sujeito um motivo de sua realização um esse in que pode ser:
1º) ou por inerência acidental, como acontece com todas as relações reais existentes nas criaturas;
2º) ou por identidade com a substância, como ocorre com as relações divinas.
Vistas estas noções de filosofia, vejamos agora se existem em Deus relações reais.
As relações reais se distinguem das relações de razão.
Quando uma coisa, por natureza, é ordenada a outra, e ambas têm inclinação mútua uma para a outra, a relação é forçosamente real.
Ex.: A relação do homem para com a mulher, ou de uma coisa pesada para a terra.
Quando, porém, se relaciona um indivíduo com a sua espécie, a relação é apenas de razão.
Ora, quando algo procede de um princípio de sua mesma natureza, é preciso que o procedente e o princípio de processão convenham numa mesma ordem, e portanto, é necessário que entre eles exista uma relação real.
Ex.: Do entendedor procede a ideia entendida.
Mas, para isto, devem ambos convir na ordem do entendimento.
Se isto é assim, como em Deus as processões existem na identidade da natureza divina, é necessário que as relações resultantes das processões divinas sejam relações reais.
As relações existentes nas coisas não são intrínsecas a elas. Mas tudo que na criatura é acidental, em Deus é substancial, pois nada existe em Deus como acidente.
Portanto, as relações existentes em Deus, se identificam com sua essência, e só diferem dela segundo nosso entendimento.
Em Deus, pois, o ser da relação e a essência divina são uma só e a mesma coisa (Suma Teológica I, q.28 a I e 2).
As relações ou se fundamentam na quantidade, ou na posição, ou na ação.
Conforme a quantidade, a relação entre uma coisa e outra pode ser dupla, tripla, etc.
Conforme o posicionamento a relação entre uma coisa e outra pode ser à direita ou esquerda, à frente ou atrás, acima ou abaixo.
Conforme a ação ou paixão, a relação existente entre duas coisas pode ser como a daquele que faz para o que é feito.
É claro que em Deus não havendo quantidade – nem posicionamento – pois Deus não tem matéria, a Deus só cabe a relação de ação e não de paixão.
Em Deus, temos as ações ou processões intrínsecas – ad intra – e a ação ad extra, que é a criação.
Quanto a esta última, não se pode falar senão de uma relação das criaturas para com o Criador do qual dependem quanto ao ser. Entretanto, não se pode falar propriamente de relação entre Deus e as criaturas, porque o ser infinito transcendente de modo absoluto o ser criado.
Logo, só se pode falar de relações em Deus quanto às processões intrínsecas, que – como vimos – são a processão intelectiva, que gera o Verbo, e a processão Volitiva.
Na processão intelectiva, ou geração, temos duas relações: Paternidade e Filiação.
O princípio de geração nos seres vivos chama-se Paternidade, e ao procedente do princípio generativo se dá o nome de Filiação.
Processo intelectivo ou geração.
Paternidade | <=> | Filiação |
Princípio gerador | <=> | O gerado |
A processão volitiva não tem nome próprio, pois nela não se concebe imagem ou ideia, mas se dá apenas um impulso, uma inclinação do amante para o amado.
A essa tendência ou impulso da vontade divina para amar o próprio ser de Deus se dá o nome de expiração, por semelhança do movimento do sopro humano.
Enquanto que se dá o nome genérico de “processão” a Deus, enquanto amado.
Processão Volitiva
Deus amante | <=> | Deus amado |
Expiração | <=> | Processão |
Portanto, havendo em Deus duas processões, nEle se podem distinguir quatro relações reais a saber:
1 – Paternidade | <=> | 2 – Filiação |
3 – Expiração | <=> | 4 – Processão |
(Cfr. Suma Teológica I q 28 a 4).
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DAS PESSOAS DIVINAS
Passaremos a estudar, a seguir, o que é pessoa, e como esse conceito se aplica a Deus, coisa que S. Tomás expõe na Suma Teológica I q 29 a 1 – 4.
Em primeiro lugar, é preciso ter bem claro o conceito de pessoa.
Segundo Boécio, pessoa é a substância individual de natureza racional.
Rationalis naturae, individua substanctia.
- Tomás define, pessoa como um subsistente indivíduo em alguma natureza racional. Distinctum subsistens in aliqua natura rationali.
Substância é aquilo que sub-está aos acidentes percebidos por nossos sentidos. É o ens per se – o ser por si.
Vimos que os escolásticos definiam substância como aquilo ao qual compete ser em si e não noutro, id cui competi esse in se, non in alio.
Distingue a Escolástica duas espécies de substância:
- substância primeira – é o ser concreto, individual, primeiro a ser conhecido, e que realiza de modo mais perfeito a noção de substância. Ex.: Pedro.
- substância segunda – aquilo que é genérico – o homem.
Podemos distinguir ainda:
A) substância espiritual – se existe sem matéria. Ex.: o anjo.
B) substância corpórea – que exige matéria para existir. Ex.: o homem, um animal etc.
C) substância incompleta – quando é apenas um princípio espiritual que, com outro princípio substancial, forma um todo substancial único. Ex.: matéria prima e forma substancial.
D) substância completa – é aquela que existe em si, quer seja simples (anjo), quer seja composta (homem, árvore, granito). A alma humana, embora seja capaz de existir sem o corpo, é incompleta, já que, por sua natureza deve informar o corpo, constituindo com ele, a essência substancial humana completa.
Em todos os gêneros, podemos distinguir o universal e o particular.
No gênero substância, o particular é o indivíduo – aquele que não pode ser dividido sem deixar de ser o que ele é -“indivíduo é o que é em si mesmo, e distinto dos demais” (Suma Teol. I, q.29, a. 4). A ele, indivíduo, cabe o nome de hipóstase ou substância primeira.
Toda substância primeira é indivíduo.
Aos indivíduos racionais, que são responsáveis por seus atos, por sua excelência sobre os outros indivíduos não racionais, se dá o nome de pessoa.
Por isso a pessoa é a substância individual (para indicar o singular do gênero substância) de natureza racional (para significar a excelência especial de substância individual racional). (Suma Teol. I, q. 29, a. 4).
Ser pessoa é, pois, uma qualidade especial que cabe aos indivíduos racionais, senhores de seus atos. Ser pessoa é a perfeição natural mais alta existente nos racionais.
Ora, toda perfeição, existente nas criaturas, deve atribuir-se analogicamente também a Deus.
É conveniente, pois, que o nome pessoa seja aplicado a Deus, porém, de modo mais excelente do que aos anjos e aos homens.
Sendo pessoa substância individual de natureza racional, e indivíduo o que é indivisível em si e distinto das demais, pessoa então, significa o que é distinto naquela natureza, qualquer que ela seja.
Na natureza humana, pessoa significa esta carne, estes ossos, junto com esta alma, que são os princípios que individuam, que distinguem este homem concreto dos demais homens.
Em Deus, só podemos fazer distinções em suas relações.
Não esqueçamos que as relações em Deus não são como acidentes aderidos a um sujeito, mas são a própria essência divina (já que em Deus não há acidente) pela qual Deus é subsistente.
Portanto, pessoa, em Deus, é a qualidade que se atribui às relações divinas, enquanto elas são subsistentes, pois são a própria essência divina.
A relação é, em Deus, uma hipóstase subsistente na natureza divina.
Ora, vimos que, em Deus, há quatro relações:
Na processão intelectiva: | Paternidade e Filiação. |
Na processão volitiva: | “Expiração” e Processão. |
Na processão intelectiva: Paternidade e Filiação.
Na processão volitiva: “Expiração” e Processão.
Se, em Deus, as pessoas são as relações, parece que, em Deus, deveriam existir quatro pessoas e não três, como Cristo nos revelou nos Evangelhos.
As relações opostas tem que pertencer necessariamente à pessoas divinas distintas.
Paternidade e Filiação são relações opostas. Logo, a Paternidade corresponde a uma pessoa – o Pai -, e a Filiação corresponde a outra pessoa – o Filho.
A Paternidade subsistente é a pessoa do Pai.
A Filiação subsistente é a pessoa do Filho.
Expiração e Processão são relações que se opõem entre si, mas não se opõem nem à Paternidade nem à Filiação.
Portanto, se a expiração se opõe à processão, elas não podem pertencer ambas a uma só pessoa, quer à do Pai, quer à do Filho.
Ora, é impossível que a “processão” (Deus enquanto amado) pertença ao Pai e ao Filho juntos, nem a cada um deles em separado, porque isto obrigaria o ato do querer divino preceder ao ato do entender divino. O que é logicamente impossível, pois o conhecer precede logicamente o querer.
Paternidade (Pai) 1.a Pessoa | <=> | Filiação (Filho) 2.a Pessoa |
Se a “processão” (Deus amado) coubesse ao Pai, Deus enquanto objeto amado estaria logicamente antes do que Deus enquanto conhecido (o Filho).
Ora, é impossível amar antes de conhecer.
Se a processão coubesse ao Filho, então o ato de “expiração”, isto é, o querer, precederia também a geração do Verbo, o que é logicamente impossível.
Portanto, a “processão” não cabe nem ao Pai, nem ao Filho. Ela é a 3ª pessoa, o Espirito Santo.
Para que ela não caiba nem ao Pai, nem ao Filho isoladamente, é preciso que a “expiração” caiba, em comum ao Pai e ao Filho.
Ora, se a expiração é o movimento ou impulso de querer e se ela é comum ao Pai e ao Filho, a expiração não constitui pessoa, porque para ser pessoa é preciso haver distinção e não, comunhão.
Portanto, a expiração é comum ao Pai e ao Filho, e ela se opõe à “processão” (Deus amado), 3ª pessoa da Trindade.
PATERNIDADE 1.a pessoa: a do Pai EXPIRAÇÃO | <=> | FILIAÇÃO 2.a pessoa: a do Filho PROCESSÃO |
3a pessoa: a do Espírito Santo |
Por isso, diz o Credo que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho: Et in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem, qui ex Patre Filioque procedit.
Paternidade, Filiação e Processão são chamadas propriedades pessoais ou constitutivas diversas, enquanto a “expiração”, convindo ao Pai e ao Filho, não é chamada propriedade. Embora ela seja relação, não é relação pessoal.
Portanto, em Deus, embora haja 4 relações, há apenas 3 pessoas divinas.
O mistério da Santíssima Trindade consiste em que Deus é uno em sua substância e trino em suas pessoas.
“E esta é a fé católica, que veneremos a um só Deus na Trindade Santíssima, e a Trindade na unidade. Sem confundir as pessoas, nem separar a substância” (Símbolo de S. Atanásio).
Post Scriptum: Texto original disponível em: https://floscarmeliestudos.com.br/das-processoes-divinas/.