SÃO PAULO E PARAY-LE-MONIAL
Ninguém estranhe, portanto, se afirmo que aprendi a pregar, pregando. Como diz o ditado, “é errando que se aprende”. Sim, à medida que avançava na carreira do apostolado, fui compreendendo sempre melhor que, neste grande apostolado do “Reinado Social do Sagrado Coração”, é indispensável um acordo perfeito de espírito e doutrina, entre a tese sublime de S. Paulo sobre a Caridade de Jesus Cristo e as assombrosas revelações do Sagrado Coração em Paray-le Monial.
Porque, se a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tem por berço a Capelinha de S. Margarida Maria em Paray-le-Monial, a grande “Teologia” do Coração de Jesus data de muito antes. Formulou-se em Belém e em Getsêmani, no Cenáculo e no Calvário. Teve por primeiros apóstolos S. João Evangelista e São Paulo.
É necessário, portanto, que nossa pregação saiba reunir indissoluvelmente a “teologia” de S. Paulo e a “Devoção” ao Sagrado Coração, tal como a aprovou e recomendou a S. Igreja.
O hino que a S. Igreja nos convida a cantar em louvor ao Sagrado Coração encerra, como música celeste, a Teologia do Apóstolo condensada nas palavras: ”A Caridade de Cristo nos impele… a perfeição da Lei é o amor… quem ama observa a Lei!”
E a música seria a “Devoção” preconizada por S. Margarida Maria nas palavras do próprio Salvador: “Eis aqui o Coração que tanto amou os homens… quero e prometo reinar por meio do meu Coração…”
Quanto não ganharia nossa pregação em eloquência sobrenatural, se deixássemos bem clara a relação íntima e doutrinária entre a tese de S. Paulo e as afirmações de S. Margarida Maria, na forma como as aceitou a Santa Igreja, abençoando e recomendando oficialmente a Festa do Sagrado Coração, a Celebração da Primeiras Sextas-feiras, a Hora Santa, a veneração rendida à Imagem e todo o culto exterior tão desenvolvido entre o elemento católico de maior piedade!
Começamos por recomendar profunda meditação, por exemplo, do seguinte texto, talvez o mais sublime dentre todos os do Apóstolo:
“Se falasse a língua dos anjos e dos homens, se tivesse uma fé capaz de transportar montanhas, mas não tivesse caridade, se não amo, nada sou!”
Feita esta estupenda meditação, compreender-se-á admiravelmente o grito que irrompe do Coração ferido de Jesus ao dizer: “Sitio!”. “Tenho sede de amor! Não de água, mas de fogo. Estou triste porque não sou amado pelos mesmos que se dizem meus amigos!”
A tese de S. Paulo, meditada diante do altar de Paray-le-Monial, juntamente como o comentário de S. Margarida Maria, tem inflexões de avassaladora eloquência… Teologia e Devoção, de mãos dadas, explanam ambas a altíssima doutrina do Amor!
A TEOLOGIA DO SAGRADO CORAÇÃO
Não nos esqueçamos de que a eloquência vitoriosa de um apóstolo não se fundamenta principalmente em sua palavra, mas na força da Verdade, da Doutrina mesma que prega.
A vitória seria nossa, se no apostolado da Entronização e em tudo que diz respeito ao Coração de Jesus começássemos antes de mais nada pelo que chamo “ara do altar”, o Evangelho de S. Paulo.
Colocaríamos depois, mas só então, as flores e lâmpadas de Margarida Maria em louvor ao Sagrado Coração.
Ergue o altar a doutrina, a Teologia. Pelas luzes e flores respondem os atos do culto exterior, de devoção!
Com frequência, confessemos, nossa pregação reduz-se à belíssima devoção. Por bela que seja, porém, requer base, a substância da doutrina sólida.
Se não está ainda definitivamente ganha a Causa do Coração de Jesus, sobretudo junto ao Clero, deve-se, em grande parte, à explanação insuficiente, não bastante dogmática e doutrinária.
Entretanto, a Entronização presta-se admiravelmente à demonstração da maravilhosa afinidade e fraternidade de espírito e doutrina, entre o Apóstolo Paulo e a Mensageira do Coração de Jesus.
Afirma S. Paulo: “Cristo amou-me e se entregou por mim” E S. Margarida Maria faz glosa dizendo : “Jesus quer, sobretudo, ser amado . . . Promete reinar e reinará, mas por Seu Amor, por Seu S. Coração!” Por outras palavras, idêntica afirmação. Paray é uma aplicação prática do Primeiro Mandamento.
Um paralelo ajuda-nos a compreender a união indissolúvel entre a “Teologia” e a “Devoção”: A Ave-Maria, e todo o culto mariano, baseia-se no Mistério da Anunciação e no dogma da Maternidade Divina. Não nos esqueçamos, a devoção Marial, tão católica, supõe o fundamento da “Teologia Marial”.
Façamos nossos colaboradores no apostolado compreender que todo culto exterior, ou devoção que mereça tal nome, supõe sempre um “dogma”. Necessariamente “dogmática” deve ser toda devoção realmente católica.
DEVOÇÃO FUNDAMENTADA NO EVANGELHO
Pois bem, entre as numerosas e belíssimas devoções da S. Igreja, nenhuma encontramos mais dogmática e evangélica que a do Coração de Jesus. Devoção magnífica, abrange todo o Credo: O Mistério do Amor infinito, como é a loucura da Cruz e da Paixão – e o Mistério e a Entrega do Amor por excelência como é a Eucaristia-Sacrifício e a Eucaristia-Sacramento.
À luz desta sublime “Teologia”, saboreamos a “Devoção”. Por exemplo, a Festa do Coração de Jesus, a Celebração das Primeiras Sextas-Feiras, a Hora-Santa, e, ainda, a Consagração de tudo que vive e é belo na Santa Igreja ao Coração de Jesus, isto é, ao Seu Amor.
E, se honramos a imagem do Sagrado Coração, faremo-lo porque representa não só o Coração, órgão material de Jesus, mas Seu Amor infinito. . . A palavra “Coração” é simbólica, tanto na linguagem humana, como na divina.
A expressão de Nosso Senhor: “Eis aqui o Coração que tanto amou os homens” equivale a esta outra: “Contemplai neste Coração o Amor que me levou à morte . . . E em troca deste Coração e de meu Amor, dai-me vosso coração, dai-me vosso amor!“
Portanto, fosse a doutrina de S . Paulo uma tela preciosa, a revelação de Paray caber-lhe-ia como moldura adequadíssima, compondo-a para ser pregada e apresentada ao público cristão.
Outro simbolismo: imaginemos toda a maravilhosa exposição do Apóstolo como uma Missa. A liturgia dessa Missa, a fórmula sagrada da sua celebração com a pompa devida será a “Devoção” ao Coração de Jesus, na forma ·explanada por S. Margarida Maria, aprovada pela Igreja, como culto tão vazado na doutrina quanto proveitoso às almas.
Que disse Nosso Senhor em Paray-le-Monial?
Em substância, exatamente o mesmo que já dissera com lágrimas e milagres em Belém, na S. Ceia e no Calvário : “Eis aqui o Coração que vos amou ao excesso, que fez maravilhas para provar seu Amor e conquistar o vosso. . . Quero vencer-vos pela força do meu Amor . . . Amai-Me!”
Antes de terminar este capítulo de tanto interesse, faço-vos duas afirmações tão comovedoras quanto substanciais na doutrina.
A FÉ SEM AMOR NADA VALE
A primeira: “Unum est credere, aliud est amare”. Uma coisa é crer e outra é amar! O ato de fé, ou seja, o assentimento do espírito a uma verdade revelada, a um mistério, não realiza por si mesmo um fato de caridade, de amor, de entrega de si mesmo. Não!
Segundo S. Paulo, podemos crer, e com fé de transportar montanhas, e com toda essa fé, não amar. . . E se não amo, tendo embora tal fé, “nihil mihi prodest”. Nada sou e nada ganho perante Deus!
Logo, é possível crer e não amar o que se acredita. Mas não podemos amar sem crer.
O verdadeiro cristão, o santo, é o que vive de uma fé imensa, mas que ama com um amor mais imenso ainda que sua fé. A perfeição da fé, da esperança, e de todas as virtudes é o Amor. . . Quem sabe amar realmente sabe tudo!
Aquele que prega a fé, não prega senão metade do Evangelho.
Apóstolos do Sagrado Coração, preguemos o Amor que aperfeiçoa e vivifica a nossa fé.
Não comove realmente ver queixar-se o Senhor de não ser amado? Isto porém não quer dizer profusão de outras virtudes e ausência apenas da caridade, do amor.
Longe estamos! Se a objeção de Jesus refere-se apenas à falta de amor, supõe necessariamente a falha das demais virtudes, pois que a caridade é seiva e raiz. E ainda, se aquele que ama cumpre toda a lei, notai bem, toda, quem não ama enlanguece, é um anêmico, em todas as virtudes.
Aqui está mais um esplêndido motivo para a afirmação do estreito vínculo doutrinário entre o Evangelho, S. Paulo e a gravíssima lição de Paray.
Que erro, e bastante ridículo, pensar que a pregação do Amor manifesta sentimentalismo efeminado e doentio! Justamente o contrário! Nada mais forte que o amor, nervo de toda guerra santa e segredo de todo heroísmo. . . Amar não é sentir, não é dar. Amar é dar-se, a exemplo do Mestre, que se entregou por amor.
Amá-Lo, portanto, é dar-se e entregar-se a Deus, que, Rei Soberano, estende a mão e, em troca do seu Coração adorável, mendiga o nosso.
Nossa missão toda reduz-se a fazer conhecido o Amor, e fazer amado esse mesmo Amor, cujo símbolo é o Coração de Jesus.
OS TRÊS DONS DO CORAÇÃO DE JESUS
Passemos agora a uma observação interessantíssima sobre os três inefáveis dons que o Coração de Jesus fez à S. Igreja.
PRIMEIRO DOM: A revelação do Pai, de seu amor e “paternidade”. Não somos apenas criaturas, somos filhos do Pai. . . “Divina institutione formati. . .” educados numa escola divina, atrevemo-nos a dizer: “Pai nosso!”. Esta, a grande novidade do Evangelho. E foi preciso que viesse nada menos que o Verbo, o Unigênito do Pai, para dar-nos a conhecer este mistério do amor divino, Deus é realmente nosso Pai, e nossa Mãe a sua Mãe: “Ecce Mater tua”.
SEGUNDO DOM: Jesus Cristo em Pessoa, que, em carne, sangue, alma e divindade, entrega-se a nós como bem supremo e tesouro, no tempo, para a eternidade. . . Sim, Jesus Cristo pertence-nos por doação irrevogável, desde a Encarnação e, sobretudo, desde a Quinta-Feira Santa. A Divina Eucaristia enraizou-O neste desterro “até a consumação dos séculos”.
TERCEIRO DOM: Pentecostes. o Espírito Santo, digno, por certo, do Doador adorável. “Convém que eu me vá, disse Jesus, porque, se não for, o Paráclito não virá. Irei, pois, para onde está o Pai e pedirei que vos mande o Consolador e Ele vos ensinará todas as coisas”. Dia “potissima”, dia excelso, o de Pentecostes; dia de graça e de glória, porque, sob as asas da Pomba divina, nasceu no Cenáculo a Igreja, engendrada pelo Espírito Santo!
Com audácia legítima podemos afirmar que, dando-nos estes três dons incomparáveis e insuperáveis, esgotou o Coração de Jesus a própria onipotência. . . Mais que a doação da Augusta Trindade, que nos poderia oferecer?! Mas fez ainda uma afirmação admirável: Se O amarmos, as Três Divinas Pessoas farão morada em nossa alma, tornada Sacrário nesta terra, Custódia da Augusta Trindade.
Ao pregar a Entronização, quebremos o vaso de alabastro desta maravilhosa doutrina, a fim de que as famílias do Sagrado Coração sintam-se impregnadas do aroma celestial, e se realize o que seja consagrar-se ao Amor, bem como ficar ao serviço do Rei de Amor. Sejam penetradas desta doutrina. Saibam que os grandes doutores e apóstolos desta Teologia foram S. Paulo e S. João, S. Tomás de Aquino e S. Francisco de Sales, astros que irradiaram a Teologia do Sagrado Coração muito antes que S. Margarida Maria comunicasse a magnífica mensagem sobre a Devoção do Coração de Jesus.
Se pregamos nesse tom, transformaremos a maravilhosa capelinha de Paray num santuário de transcendência católica.
Pensava assim, e expressou-se em consequência, o grande Leão XIII: “Dentre as Revelações particulares, a de Paray-le-Monial é a mais importante. . . O mais sagrado altar depois do Calvário, pois que ao seu redor gravitam o pensamento e o amor da S. Igreja”. É dizer muito!
“Sou Rei”, afirmou Jesus diante de Pilatos. S. Paulo repete-o : “Oportet illum regnare”. Ouvi com profunda emoção: “Reinarei, prometo-o”, ajuntou Jesus a Santa Margarida Maria: “Sim, reinarei, pela onipotência do meu Coração”.
Por isto, porque Jesus é Rei por direito divino, porque é o Altíssimo, Rei dos reis pela sua natureza divina, a Igreja proíbe a coroação das imagens do Sagrado Coração. Queiramo-lo ou não, Cristo é Rei e não há autoridade nem direito que se oponha à sua Realeza Divina.
A Entronização, como indica a palavra, prega com insistência frisante esta Soberania excelsa, de Cristo Rei, principalmente pelo seu Coração Divino, Rei de Amor.
Referência bibliográfica:
CRAWLEI-BOEVEY, Padre Mateo. Jesus, Rei do Amor. Rio de
Janeiro – RJ: Vozes, 1956, p. 63-70.