Nossa participação no mistério de Cristo, morto e ressuscitado

Do lenho da Cruz pendeu a salvação do mundo. Por isso, a Morte de Cristo é o ponto central de toda a História da Humanidade, e tornou a Obra da Redenção superior à da Criação.
Tempo Estimado de Leitura: 7 minutos

Nossa participação no mistério de Cristo, morto e ressuscitado

Do lenho da Cruz pendeu a salvação do mundo. Por isso, a Morte de Cristo é o ponto central de toda a História da Humanidade, e tornou a Obra da Redenção superior à da Criação.
Tempo Estimado de Leitura: 7 minutos

I. A Liturgia da Igreja abre a Semana Santa com a celebração do “Domingo de Ramos “. Jesus é saudado como o filho de Davi, aquele que traz a salvação e entra em sua cidade como o Rei da Glória (Sl 24, 7-10) “montado em um jumento” (Zc 9, 9), com a humildade que dá testemunho da Verdade. Assim, “manifesta a vinda do Reino que o Rei-Messias realizará na Páscoa da sua Morte e Ressurreição” (CATIC, 560).

A preparação para a Páscoa termina estritamente com a justa celebração da Quarta-Feira Santa. O desenvolvimento litúrgico da Páscoa começa, de fato, com a Missa da Noite da Ceia do Senhor (“significado e atualização sacramental da paixão redentora“). É dramatizado na solene liturgia da Sexta-Feira Santa (“comemoração histórica da morte pascal de Cristo“). O dia alitúrgico do Sábado Santo é ocupado com a meditação eclesial junto ao sepulcro e este desdobramento culmina, por fim, com a Vigília Pascal (“ressurreição do Senhor e corressurreição da Igreja pelo batismo dos neófitos e pela experiência renovadora da Páscoa nos já cristãos“)[1].

II. Os evangelistas viram cumpridas na Paixão de Cristo as profecias do Servo sofredor de Isaías, especialmente no que diz respeito ao valor do sofrimento e à fortaleza silenciosa do Servo, que se apresenta como um discípulo obediente, dócil à palavra do Senhor (“O Senhor Deus deu-me a língua de um discípulo; | para saber dizer ao abatido uma palavra de alento. | Cada manhã me desperta o ouvido, | para que escute como os discípulos“. Is 50, 4).

Em sua Epístola aos Filipenses (2, 6-11), São Paulo resume de maneira admirável como Cristo Jesus realiza o mistério da nossa redenção:

“Sendo de condição divina,

não reteve avidamente o ser igual a Deus; pelo contrário, se despojou de si mesmo

assumindo a condição de escravo,

feito semelhante aos homens.

E assim, reconhecido como homem por sua presença, ele se humilhou a si mesmo,

fez-se obediente até a morte,

e uma morte de cruz.

Por isso Deus o exaltou sobre tudo e lhe deu o Nome que está acima de todo nome; de modo que, ao nome de Jesus,

todo joelho se dobre

no céu, na terra, e no abismo,

e toda língua proclame:

Jesus Cristo é o Senhor,

para a glória de Deus Pai .

O Apóstolo mostra-nos o exemplo supremo que devemos imitar em nossa conduta: o imenso, o infinito paradoxo da humilhação de Jesus. Tendo em mente a divindade de Jesus Cristo, ele focaliza sua atenção em sua morte na cruz como modelo supremo de humildade e obediência. Desta forma, o Pai concedeu à Humanidade de Cristo o poder de manifestar a glória da divindade que lhe corresponde e, portanto, a verdade fundamental da doutrina cristã é que Jesus Cristo é Deus[2].

Esse texto de São Paulo, com uma primeira parte de humilhação e uma segunda parte de exaltação pelo Pai, recorda-nos a unidade de dois acontecimentos salvíficos inseparáveis: o mistério da morte de Cristo na Cruz e o mistério da sua Ressurreição. Contudo, o ato central e principal em que se resume a obra de Cristo e que recapitula toda a criação é a morte de Nosso Senhor. Sua paixão constitui o mistério principal, ao qual se deve a nossa salvação, e a ressurreição é uma consequência da cruz.

III. O desejo da Igreja na Semana Santa é tornar mais profunda nossa fé. Nas celebrações litúrgicas destes dias não nos limitamos à mera comemoração do que Jesus realizou; estamos imersos no mesmo mistério de Cristo para morrer e ressuscitar com ele.

Jesus morreu, foi sepultado e ressuscitou dos mortos. Este é o único evento na história que não passa. É um acontecimento real, acontecido na nossa história, localizado no tempo e no espaço. Assim o expressamos no Credo ao dizer que “padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos“, quer dizer, na época em que Pôncio Pilatos governava a província romana da Judéia. Qual a razão dessa precisão cronológica e geográfica?

“Isso porque o conhecimento de uma coisa tão grande e tão necessária como esta podia ser mais certo e óbvio para todos, notando claramente o tempo em que isso aconteceu, o qual lemos fazer também o apóstolo Paulo (1Tm 6, 13). Ademais, por essas palavras se declara o cumprimento daquela profecia do Salvador: “Será entregue aos gentios para ser escarnecido, açoitado e crucificado” (Mt 20, 19)[3].

Mas estamos ante algo absolutamente único: todos os demais acontecimentos sucedem uma vez e logo passam, são absorvidos pelo passado, submetidos à inexorável “lei do esquecimento“, que embaça as memórias quanto mais se voltam no tempo. Em vez disso, o mistério de Cristo participa da eternidade divina e domina, portanto, todos os tempos e neles se mantêm permanentemente presente. O acontecimento da Cruz e da Ressurreição permanece e atrai tudo à Vida, especialmente na Liturgia da Igreja (cf. CATIC 1085). Convém, é claro, esclarecer que a noção de “memorial objetivo” somente se aplica à Eucaristia com respeito à Cruz, e não da mesma maneira a todos os atos de culto com respeito a todos os mistérios salvíficos. A tradição fala de uma atualização especial do sacrifício de Cristo.

Em toda ação litúrgica, junto com a Igreja, está presente o seu divino Fundador […] Por isso, o ano litúrgico, alimentado e acompanhado pela piedade da Igreja, não é uma representação fria e inerte das coisas que pertencem aos tempos passados, nem uma mera e nua recordação de uma época anterior. Pelo contrário, é antes o próprio Cristo que segue em sua Igreja e continua aquele caminho de sua imensa misericórdia, que ele mesmo iniciou nesta vida mortal, quando passava fazendo o bem (Atos 10, 38), com o piedosíssimo desejo de que as almas dos homens se pusessem em contato com seus mistérios, e por eles, de certo modo, vivessem. Quais mistérios, aliás, estão constantemente presentes e atuam da maneira não indeterminada e meio obscura com que alguns escritores modernos nesciamente falam, mas da maneira que a doutrina católica nos ensina; pois, segundo a opinião dos Doutores da Igreja, não são apenas exímios exemplos de perfeição cristã, mas também fontes da divina graça, pelos méritos e orações de Cristo, e por seu efeito permanecem em nós, visto que a cada ano, de acordo com a sua natureza, é à sua maneira a causa da nossa salvação[4].

O meio para nos unirmos a este mistério da Cruz e dele participar são os sacramentos, especialmente a Eucaristia e a Confissão. Por meio deles, Deus nos vai transformando e nos fazendo capazes de levar uma vida de acordo com nossa condição de filhos seus. Uma vida que passa pelos mesmos caminhos pelos quais passou Cristo (a quem estamos unidos como membros de seu Corpo Místico): humildade, obediência à lei de Deus, serviço aos outros…

Junto à Cruz de Jesus, estava sua Mãe, a Santa Virgem Maria. Dirigimo-nos a ela para pedir-lhe que o mistério da dor redentora de Cristo, que celebramos na Semana Santa, nos ajude a viver na humildade da obediência devida a Deus e a não abandonar o caminho que conduz à vida.

Post Scriptum: Texto original escrito em espanhol, disponível em: https://adelantelafe.com/nuestra-participacion-en-el-misterio-de-cristo-muerto-y-resucitado/. Tradução de Edição do Site, com adaptações.


Referência:

1.   Cf. Juan ORDÓÑEZ MÁRQUEZ, Espiritualidade Cristã e Ano Litúrgico, Madrid: BAC, 1978, 276-277.

2.   Cf. Juan STRAUBINGER, A Bíblia Sagrada, In: Fl 2, 1-11. Este autor vê no texto a Jesus, o Servo de Yahweh, tal como o anunciou Isaías.

3.   Catecismo Romano I, 5, 3.

4.   Pio XII, Encíclica Mediator Dei (20 de novembro de 1947), Dz 2297.


Sobre o autor:

Padre Ángel David Martín Rubio nasceu em Castuera (1969). Ordenado sacerdote em Cáceres (1997). Além dos Estudos Eclesiásticos, é formado em Geografia e História, História da Igreja e Direito Canônico, e doutorado pela Universidade San Pablo-CEU (universidade privada em Madri, Espanha). Foi professor da Universidade San Pablo-CEU e da Pontifícia Universidade de Salamanca. Atualmente é decano presidente do Capítulo da Catedral da Diocese de Coria-Cáceres, vigário judicial, capelão e professor no Seminário Diocesano e no Instituto Superior de Ciências Religiosas Virgem de Guadalupe. Autor de vários livros e numerosos artigos, boa parte deles dedicados à perda de vidas humanas em consequência da Guerra Civil Espanhola e da perseguição religiosa. Participa de jornadas de estudo e dos meios de comunicação. Coordena as atividades do “Fórum História em Liberdade” e o portal “Desde mi campanario” (http://desdemicampanario.es/)

Nota da Edição do Site: A opinião dos articulistas não reflete necessariamente a posição da Sociedade da Santíssima Virgem Maria.

Maria Sempre!

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