[…] Também nos devemos resignar na desolação do espírito. Nosso Senhor, quando uma alma se entrega à vida espiritual, costuma socorrê-la com abundantes consolações místicas, em ordem a subtraí-la aos mundanos deleites; porém, vendo-a estabelecida em espírito, retira Sua onipotente mão para obter uma prova do amor que esta alma Lhe dedica, e ver se ela O servirá sem a recompensa neste mundo de delícias sensíveis. Enquanto vivermos no mundo, diz Santa Teresa, a nossa vantagem não é tanto em gozar de Deus em si mesmo, como em fazer a Sua divina vontade. E em outra parte, diz: O amor de Deus não consiste tanto em ternuras espirituais, como em servi-lO com fortaleza e humildade. E continua: Deus experimenta aqueles que ama, com securas espirituais e tentações. [1]
Deve, pois, a alma agradecer ao Senhor, quando Lhe apraz favorecê-la com doçuras espirituais; mas não se afligir nem se impacientar quando a entrega à desolação. Devemos especialmente atentar a esse ponto, porque algumas almas fracas, quando experimentam securas espirituais, pensam que Deus as tem abandonado, pelo menos que não lhes é própria a vida espiritual, e por esse motivo descuidam-se da oração, e perdem o benéfico resultado do que até ali haviam praticado. Não há melhor ocasião para a conformidade com a vontade de Deus do que o tempo da secura espiritual. Não digo que não seja sensível a perda da divina presença: impossível é que a alma não a sinta, e não a lamente, quando o nosso mesmo Redentor a sentiu e lamentou sobre a cruz: Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste? (Mt 25, 46). Porém, em tão grande aflição, devemos resignar-nos inteiramente com a vontade de Nosso Senhor. Todos os santos sofreram securas e desolação de espírito. Que dureza de coração eu experimento, dizia S. Bernardo, já não gozo na leitura espiritual, nem na meditação. A maior parte dos santos viveram em secura espiritual, e sem consolações. Estas, o Senhor não as concede senão raras vezes, e talvez aos espíritos mais fracos, para que não parem na carreira espiritual. As delícias da recompensa nos são preparadas por Ele no Céu. Este mundo é o lugar onde as adquirimos pela penitência; o Céu é o lugar da recompensa. Por consequência os santos não se entregavam ao fervor com deleites, mas sim com penitências. O venerável João d’Ávila dizia (Audi. fil. C. 26): Oh!, quão melhor é estar em secura e tentação com a vontade de Deus, do que em contemplação sem ela!
Mas direis vós: se eu soubesse que esta desolação vinha de Deus, ficaria satisfeito; porém o que me aflige e me perturba é o temor que proceda das minhas faltas, e que seja um castigo de minha tibieza. Pois bem, lançai fora essa tibieza e sede mais diligente. Mas talvez, porque estais em trevas, vos achais inquieto, vos descuidais da oração e do exercício espiritual, e assim tornais o mal pior. A secura espiritual pode vos ter sido mandada como um castigo, como eu tenho dito; mas não é ela vos mandada pelo Altíssimo? Aceitai-a, pois, como um castigo que tendes merecido, e uni-vos à divina vontade. Não dizeis vós que tendes merecido o inferno? Então porque vos lamentais agora? Acaso mereceis receber consolações de Deus? Ficai, pois, satisfeito da maneira com que ao Senhor apraz tratar-vos; continuai vossas devoções, e avançai com intrepidez, receando que para o futuro vossos lamentos procedam de falta de humildade e resignação à vontade de Deus. Quando a alma se entrega à oração, não pode derivar dela maior vantagem do que a união com a vontade divina; resignai-vos, pois, e dizei: Senhor, eu aceito esta tribulação da Vossa mão, e a aceito pelo tempo que Vós quiserdes; mesmo que Vos fosse agradável que eu permanecesse aflito por toda a eternidade, eu estaria satisfeito. E assim, essa oração, ainda que penosa, vos será mais vantajosa do que as mais suaves consolações.
Mas devemos também persuadir-nos de que a secura espiritual não é sempre um castigo, mas muitas vezes disposição de Deus para nosso maior bem, e também para nos conservar humildes. Em ordem a que São Paulo não se tornasse vaidoso, com as mercês que tinha recebido, permitiu o Senhor que ele fosse molestado com tentações de impureza: E para que a grandeza das revelações não me exaltasse, foi-me dado o estímulo de minha carne, anjo de Satanás, para atormentar-me. (2 Cor 12, 7). Aquele que ora a Deus com espiritual doçura e deleite bem pouco faz. É um amigo e companheiro à mesa, mas me deixará no dia de aflição. (Eclo 6, 10). Vós não considerais como verdadeiro amigo aquele que só vier à vossa mesa e tomar parte em vossos divertimentos, mas sim aquele que vos vem valer nos trabalhos, e vos acudir nas tribulações, sem que disso tire vantagem própria.
Quando Deus manda a obscuridade e a desolação, é para pôr à prova os Seus verdadeiros amigos. Paládio, tendo sofrido grande secura espiritual na oração, foi consultar São Maurício, que lhe disse: Quando o inimigo vos tentar para que deixeis a oração, dizei-lhe: Eu me satisfaço de aqui ficar pelo amor de Jesus Cristo, e mesmo só para guardar as paredes desta cela. Tal deve ser a vossa resposta, quando fordes tentado a não continuar na oração, porque vos parece que nisso perdeis tempo. Dizei nessas ocasiões: Aqui estou para agradar a Deus. São Francisco de Sales diz que se nós nada mais fazemos quando rezamos do que afastar distrações e tentações, que rezamos bem. Taulero também diz que aquele que no tempo da secura espiritual perseverar na oração, lhe concederá Deus maiores graças do que aquele que orar com sensível devoção. O padre Rodrigues diz que um certo homem confessava que pelo espaço de quarenta anos não tinha experimentado consolação alguma na oração, mas que naqueles dias em que orava, se sentia mais forte em virtude; porém, se não orava conforme o costume, se sentia possuído de tal fraqueza, que estava inteiramente incapaz de fazer obra alguma boa.
São Boaventura e Gerson dizem que muitos que durante a oração não têm a atenção que desejam servem mais a Deus do que outros que a conservam; porque essa falta os obriga a serem mais diligentes: pois que, se assim não fosse, se poderiam tornar negligentes e soberbos, na ideia de que haviam achado o que procuravam. E o que temos dito da secura espiritual podemos também dizer das tentações; porém, se Deus permite que sejamos tentados, ainda que devamos trabalhar para evitar as tentações, sejam estas contra a pureza, ou contra qualquer virtude, não devemos nos lastimar; mas, também nisto, resignar-nos à divina vontade. São Paulo, quando deprecava para ser livre de tentação impura, respondeu o Senhor: A minha graça te é suficiente. (2 Cor 12, 9). E assim, quando Deus não nos concede a mercê de vivermos libertos de tentações que nos molestam, digamos: Senhor faze e permite o que quiseres: a Vossa graça me é suficiente; mas dá-me o Vosso auxílio para que eu não a perca. Não são as tentações, mas o consentir nelas que nos priva da divina graça. Quando resistimos às tentações, tornamo-nos mais humildes, e adquirimos mais merecimento, que nos induz a recorrer a Deus com mais frequência, e nós estamos mais longe de O ofendermos, unindo-nos mais intimamente a Ele com o Seu Santo amor.
Nota:
1. As tentações, aqui, devem ser entendidas como permitidas por Deus, com o propósito de nossa santificação. Com efeito, diz a epístola de São Tiago: Ninguém, quando for tentado, diga: “É Deus quem me tenta”. Deus é inacessível ao mal e não tenta a ninguém. (Tg 1, 13). Assim, ainda que não nos queira tentar, em sua excelsa providência, Deus as permite para colher os frutos que lhe aprouver.
Referência:
1. LIGÓRIO, S. Afonso Maria de. Tratado da Conformidade com a vontade de Deus. Niterói – RJ: Escola Salesiana, 1913, p. 34-40.