Quem compreende bem e sabe praticar a devoção ao Sagrado Coração volta constantemente nas suas meditações, nas suas comunhões, em todo o curso de sua vida, a este pensamento: “Amou-me e entregou-se por mim.” Lembra-se sem cessar de um Deus que, por amor, se encarnou, isto é, se aniquilou, assumindo a forma de um escravo; de um Deus que, durante mais de quinze anos, viveu como um pobre operário; de um Deus que, para iluminar e converter as almas, levou, durante três anos, uma vida de labores e de devotamentos, comendo o pão da esmola, estafando-se em caminhadas longas e penosas, fazendo-se manso e acolhedor para com todos, consolando os aflitos, evangelizando os infelizes, passando muitas vezes a noite a orar pelos filhos dos homens; de um Deus que se entregou a facínoras, verdadeiros demônios soltos, para ser por eles amarrado, esbofeteado, coberto de escarros, flagelado, crucificado; de um Deus que, para prolongar suas humilhações e se dar todo inteiro a miseráveis criaturas, se faz Deus-Hóstia, aniquilando-se mais ainda que no presépio e expondo-se a todas as profanações e a todos os sacrilégios.
Como este pensamento contínuo dos benefícios de Jesus, de Suas loucuras de amor – mais sábias, no dizer de São Paulo, que a sabedoria dos homens[1] – não faria brotar, no coração do homem, uma viva gratidão? Ao vermos tanta bondade, tanta doçura, tão veemente desejo de nossa eterna felicidade, ao considerarmos que nos mereceu todas as graças, que não tem alegria maior que no-las distribuir com mãos cheias, que está sempre disposto, se Lhe pedirmos, a suprir pelos Seus merecimentos nossas fraquezas, nossa pobreza, como não alimentarmos uma confiança invencível? Como não desejarmos amar sempre a um Deus tão cheio de amor? E ao vermo-Lo tão mal pago, tão ofendido por aqueles mesmos por quem se imolou, como não ansiar por consolá-Lo? Como não respondermos a este Seu tão tocante queixume: “Sustinui qui simul constristaretur, et non fuit, et qui consolaretur, et non inveni!” (Procurei quem sofresse comigo e não encontrei, quem me consolasse e não achei!). Ora, não há senão um único meio de consolá-Lo: é levar uma vida generosa, uma vida toda de dedicação e virtude.
De quanta amargura não se reveste a lembrança das faltas passadas quando se tem a devoção ao Sagrado Coração! A contrição que ela gera é uma contrição de puro amor, que limpa a alma e fortifica contra as recaídas.
Para muitas pessoas, o grande obstáculo ao seu progresso no amor divino é o amor-próprio que as traz sempre debruçadas sobre si mesmas, quer sobre suas qualidades para nelas se comprazerem e desejarem a estima e os louvores, quer sobre suas fraquezas para se desolarem e se deixarem abater.
O pensamento constante do meigo Salvador, de Seus benefícios inumeráveis, das ofensas – retribuição habitual, por parte de muitos, de tantas bondades -, cortando esses regressos do amor-próprio, mantém a alma na confiança e mergulha-a, quando desprendida de si, numa amorosa humildade, em ardentes desejos de reparação. E ao ver este divino Coração tão amoroso, tão desejoso do bem das almas, é impossível não compartilhar Seu zelo, não envidar todos os esforços para a santificação e salvação do próximo.
Achamos, pois, na devoção ao Sagrado Coração, os mais prementes motivos para a prática das mais belas virtudes, e achamos, ao mesmo tempo, nela o modelo perfeito de todas essas virtudes. Contemplar a Jesus tão santo e tão misericordioso, tão forte e tão meigo, tão compassivo e tão dedicado, tão digno e tão familiar, tão prudente e tão simples, tão poderoso, tão sábio e, entretanto, tão humilde, quem conhece coisa mais bela e suave? O Evangelho, lido e estudado com as luzes que dá essa devoção incomparável, é um manancial perene de suaves alegrias, de consolações e de generosos ardores.
A devoção ao Sagrado Coração não produz todos esses efeitos senão nas almas que se esforçam por pautar sua vida por essas verdades de que se alimentam. Com efeito, quem se contenta com a reflexão sem passar para a ação esteriliza as luzes recebidas. Além disso, as verdades cristãs penetram na alma mais pela vontade reta que pelo puro raciocínio, muito mais pelos atos de virtudes que pelas mais sábias lições. Por isso os que fazem grandes esforços para viver como verdadeiros devotos do Sagrado Coração, que se aplicam à prática das virtudes para as quais se sentem como que impelidos por essa devoção, vão penetrando, cada dia mais, no abismo de perfeição que é o Coração de Jesus, vão compreendendo cada vez melhor as maravilhas do Seu amor. Quanto mais generosos se mostram, tanto mais luzes recebem; e quanto mais luzes recebem, tanto mais generosos se mostram.
Assim se explicam perfeitamente as promessas de Jesus a santa Margarida Maria[2] a favor dos que honram Seu Sacratíssimo Coração, promessas tão consoladoras que reproduzimos aqui:
1ª – Dar-lhes-ei todas as graças necessárias ao seu estado;
2ª – Estabelecerei a paz nas suas famílias;
3ª – Consolá-las-ei em todas as suas aflições;
4ª – Serei seu refúgio seguro durante a vida e, sobretudo, na hora da morte;
5ª – Derramarei copiosas bênçãos sobre todas as suas empresas;
6ª – Os pecadores acharão no meu Coração a fonte e o oceano infinito da misericórdia;
7ª – As almas tíbias tornar-se-ão fervorosas;
8ª – As almas fervorosas elevar-se-ão rapidamente a uma grande perfeição;
9ª – Abençoarei as casas onde a imagem do meu Sagrado Coração estiver exposta e for honrada;
10ª – Aos que se dedicarem à salvação das almas darei o talento de mover os corações mais empedernidos;
11ª – As almas religiosas alcançarão tantos socorros que não seria preciso outro meio para restabelecer o fervor primitivo e a mais exata regularidade nas comunidades menos regulares e elevar à mais alta perfeição as que vivem na fiel observância;
12ª – As pessoas que propagarem esta devoção terão seu nome inscrito no meu Coração e dali nunca será apagado;
13ª – No excesso da misericórdia do meu Coração, prometo-te que meu amor todo poderoso concederá a quantos comungarem na 1ª sexta-feira do mês, nove vezes seguidas, a graça da penitência final; não morrerão na minha inimizade nem sem receberem os sacramentos, e o meu Coração se fará o seu asilo seguro na derradeira hora.[3]
Prende-se a esta devoção a prática da Hora Santa. Nosso Senhor disse a santa Margarida Maria: “Na noite de quinta para sexta-feira. . . levantar-te-ás, entre onze horas e meia-noite, para te prostrares, durante uma hora comigo, de rosto no chão, tanto para aplacares a ira divina, pedindo misericórdia pelos pecadores, como para, de alguma maneira, mitigares a amargura que senti do abandono dos meus apóstolos.”[4]
Dali nasceu a prática, enriquecida de preciosas indulgências[5], de consagrar-se, na tarde ou na noite da quinta-feira, uma hora à oração mental, em união com o Salvador agonizante, com o fito de consolar Seu Coração, de aplacar a cólera divina, de pedir misericórdia pelos pecadores. É, pois, um exercício de reparação e de amor que não pode deixar de atrair grandes graças sobre os que o praticam com fidelidade.
Notas:
1. I Cor 1, 25.
2. Com a inserção de uma promessa (a de número 11), o Monsenhor Saudreau faz constar, em sua obra, o número de 13 promessas (em vez de 12, como se vê em outras fontes). A razão para isso não nos é conhecida; contudo, cumpre salientar que Nosso Senhor Jesus Cristo não numerou as promessas, mas apenas as ditou a Santa Margarida. O recurso da numeração foi adotado posteriomente, provavelmente por questão de organização. Ademais, é possível notar uma ligação entre a 10ª, a 11ª e a 12ª promessas: a primeira destinada aos sacerdotes (embora o autor, diferente de outros, não os cite expressamente), a segunda destinada aos religiosos e a terceira destinada aos propagadores em geral da devoção (notadamente os leigos).
3. Também conhecida como “A Grande Promessa”.
4. Tomo II, pag. 72.
5. Há uma indulgência plenária, nas condições ordinárias, cada vez que se faz a hora santa, mediante inscrição na arquiconfraria erigida na Visitação de Parayle-Monial. Para os que comungam cada dia ou quase e que têm a intenção de lucrar todas as indulgências anexas a suas comunhões, a única prática a acrescentar à Hora Santa, para ganharem a indulgência plenária, é rezar uma oração, por exemplo, cinco Pai Nossos e cinco Ave Marias, nas intenções do Soberano Pontífice. A Hora Santa pode ser feita a partir de 4 horas da tarde no verão e de 2 horas da tarde quando os dias começam a ficar mais curtos.
Referências:
1. SAUDREAU, Mons. Auguste. Manual de Espiritualidade. Tradução de Paulo de Azevedo et al. Rio de Janeiro – RJ: Livraria Alves, 1937, p. 236 – 237. (Coleção F. T. D.)
NIHIL OBSTAT:
Fr. Baptista Blenke, Ord. Carm., São Paulo, 08-03-1937.
IMPRIMATUR:
Mons. Ernesto de Paulo, Vigário Geral.